Um dos obstáculos que a Lava Jato encontrou foi a ausência de interlocutores alinhados na Venezuela. Com o endurecimento do regime de Maduro, a procuradora-geral Luisa Ortega Díaz foi destituída e seu sucessor passou a ser visto com desconfiança pelos brasileiros.
Acusada de chefiar um esquema de extorsões com o marido, a procuradora deixou a Venezuela após a destituição e buscou refúgio na Colômbia. Ela diz que passou a ser perseguida por Maduro porque estava investigando as relações da Odebrecht com ele.
“Assistimos a um estupro institucional do Ministério Público venezuelano”, disse o então procurador-geral Rodrigo Janot, ao recebê-la em Brasília. “Sem independência, o Ministério Público do nosso vizinho ao norte não tem mais condições de […] conduzir investigações criminais ou atuar em juízo com isenção”.
Segundo os diálogos examinados pela Folha e pelo Intercept, o procurador Vladimir Aras, que chefiava a Secretaria de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal, pediu ajuda aos integrantes da Lava Jato para receber dois procuradores venezuelanos que viriam ao Brasil em segredo para trabalhar com eles no caso.
Dois membros da força-tarefa de Curitiba se dispuseram a hospedar os colegas estrangeiros em suas casas por alguns dias. Deltan chegou a pedir ajuda à Transparência Internacional para financiar a estadia da dupla no Brasil.
Sergio Moro, da Lava Jato ao Ministério da Justiça
Minha Folha
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As mensagens obtidas pelo Intercept sugerem também que a passagem dos venezuelanos pelo Brasil foi vista como uma oportunidade para o vazamento das informações da delação da Odebrecht sobre o país vizinho.
“Vcs que queriam leakar as coisas da Venezuela, tá aí o momento. A mulher está no Brasil”, escreveu o procurador Paulo Galvão quando a vinda de Ortega a Brasília foi noticiada. Seus colegas reagiram com ironias, como se fosse só uma brincadeira, mas o vazamento de fato ocorreu.
Em outubro, semanas depois da visita dos dois procuradores venezuelanos a Curitiba, Ortega publicou em seu site na internet dois vídeos com trechos de depoimentos do ex-diretor da Odebrecht na Venezuela Euzenando Azevedo, sobre contribuições feitas pela empreiteira para campanhas eleitorais de Maduro.
Os advogados da empresa questionaram a força-tarefa após o vazamento, e o episódio foi discutido pelo grupo no Telegram. O procurador Paulo Galvão sugeriu que Vladimir Aras ou Orlando Martello poderiam ter sido os responsáveis. “Nos não passamos…”, escreveu Galvão aos colegas. “Só se foi Vlad. Ou Orlando, escondido.” Os dois eram participantes do grupo de mensagens, mas ficaram em silêncio.
A Odebrecht pediu ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, que abrisse investigação sobre o vazamento, mas ele se limitou a pedir esclarecimentos ao Ministério Público. Há um mês, a procuradora-geral Raquel Dodge informou que há um inquérito sigiloso na primeira instância da Justiça Federal, em Brasília.
Na época em que Ortega teve acesso ao depoimento de Euzenando, a Venezuela tinha um termo de compromisso assinado com o Brasil para obter informações da delação do ex-marqueteiro petista João Santana. Mas o acordo não previa seu acesso à delação da Odebrecht, informou a Procuradoria-Geral da República à Folha.
As mensagens examinadas pela Folha e pelo Intercept mostram que, após o contato com os venezuelanos, os procuradores brasileiros buscaram informações sobre contas que Euzenando e a Odebrecht teriam usado para movimentar na Suíça o equivalente a US$ 48 milhões com ajuda de um advogado venezuelano, entre 2008 e 2014.
Os diálogos indicam que as informações da Suíça fizeram a Lava Jato desconfiar do executivo da empreiteira, que teria admitido um volume de recursos menor do que o apontado pelos extratos das contas, mas sugerem que os novos dados deram substância à ação judicial que os procuradores tinham começado a planejar em 2017.
Preocupada com o agravamento da situação política na Venezuela, a Transparência Internacional passou a defender publicamente a abertura de um processo contra autoridades do país vizinho no Brasil e chegou a discutir o assunto com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) durante um evento realizado em sua fundação.
“FHC veio conversar comigo no final e disse que é uma boa ideia”, afirmou o diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão, numa mensagem enviada a Deltan pelo Telegram em outubro de 2017.
Os diálogos obtidos pelo Intercept indicam, porém, que a iniciativa da Lava Jato encontrou resistências neste ano no Supremo e na Justiça Federal do Paraná, em procedimentos que ainda tramitam em caráter sigiloso.
De acordo com uma das mensagens,o juiz Luiz Antônio Bonat, que substituiu Moro na condução dos processos da Lava Jato em Curitiba, comunicou aos procuradores em abril deste ano que o caso venezuelano não compete à sua jurisdição, por não haver conexão com a corrupção na Petrobras.
FONTE -BLOG DA CIDADANIA .
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